Oi Lenù, eu chamo Lana. E gosto da coincidência dos nossos nomes se parecerem, terem uma sonoridade próxima. Na verdade, eu acho que gosto da ideia de me parecer com você, de alguma forma. Apesar, é claro, de você ser uma personagem, de você não existir, de você ser só uma ideia que foi colocada num livro e depois num roteiro de série. Enquanto eu sou real. Sinto muito, não quero te ofender, não é minha intenção. Jamais ofenderia alguém de quem gosto tanto, mesmo você não existindo de fato.
Mas eu preciso te contar que nas primeiras vezes em que te vi, é verdade, eu te detestei. Você era muito silenciosa, monossilábica, tímida, retraída, tentando ser boazinha com todo mundo o tempo todo. Eu me vi muito em você. Me vi criança. E detestei isso. Aí, conforme a sua vida foi passando, eu fui testemunhando você odiar o seu bairro, você ter uma relação muito difícil com sua mãe, você gostar de escrever, você ser a esquisita da rua. Meu Deus, eu me vi em você em muitos cenas, em muitos episódios, e isso criou em mim uma gangorra de incômodo e de satisfação.
Me incomodava te ver, tão retraída e tão romântica, e pensar que talvez fosse assim que as pessoas também me viram em alguns momentos da vida. Alguém já me olhou da forma como eu estava te olhando? As pessoas me achavam boba, sem graça e patética? Me incomodou. Mas dava satisfação ver sua humanidade, seus defeitos, sua inveja, seu desejo de ir embora, suas contradições. Afinal, se é pra parecer comigo, que pareça direito! E a satisfação foi crescente, até o fim.
Na verdade, eu suponho que você se pareça com a Elena, a Ferrante, já que foi ela quem te criou. E porque ela te batizou com o mesmo nome que ela usa, já que você se chama Elena, e Lenù seja só pros íntimos, como eu. E eu também suponho que você pareça bastante com a Elena, a Ferrante, porque você repete características de outras protagonistas dela (ser escritora, não gostar do seu lugar de origem, etc). Enfim. Se você parece com a Elena, a Ferrante, e eu pareço com você, então eu também pareço com ela? Será?
Nossa, quanta bobagem. Acho que estou me perdendo. Mas eu só queria te agradecer, de verdade. Foram várias e várias as vezes em que eu pausei o episódio e comentei com o Edu sobre nossas semelhanças, sobre como isso tava mexendo comigo. Acho que eu nunca vivi isso com uma personagem, por mais que eu já tenha desejado ser a Carrie ou a Miranda de Sex And The City. Mas são coisas diferentes, muito diferentes.
Você me levou pra um lugar profundo, onde eu entendi as dores de ter uma mãe que demonstra afeto daquela forma. Eu senti o que você sentia toda vez que voltava no bairro e olhava tudo igual, tudo da mesma forma, só que pior. Eu sei como a vida fica cheia de esperança quando as palavras são colocadas no papel e voam por aí.
Você fez eu querer falar italiano, mesmo que por um breve momento. Me fez querer ter um dia cansativo em Torino ou passar perrengue em Nápoles. Fez eu querer adentrar numa cultura que, até então, sempre foi indiferente pra mim (com exceção da comida italiana, claro). Será que o seu bairro, Rione, tem alguma semelhança com Engenho Pequeno, de onde eu vim? Será que se eu morasse na Itália eu conseguiria fazer algum dinheiro com a escrita, assim como você fez?
Não e não, eu sei as respostas. E isso me irrita, assim como Lila se irrita diante dos empecilhos ou da falta de esperança. Nisso eu pareço mais com ela do que com você, desculpa.
Lenù, só quero que você saiba que eu amei te conhecer. Apesar do desconforto inicial, eu amei entrar no seu universo e conhecer essa parcela generosa da sua vida. Todo mundo fala o tempo todo que a Elena Ferrante escreve muito bem sobre as mulheres, o que me parece meio exagerado, afinal, que mulheres são essas? Quais mulheres? Mas eu me dei conta de que ela escreveu muito bem sobre mim, mesmo jamais sabendo da minha existência. Fato é que mesmo você não existindo no mundo real Lenù, a sua existência literária ajudou a dar mais luz sobre a minha carne e meu ossos. A minha humanidade ganhou algo de muito bom à partir da ideia que alguém teve de você. Se eu estou exagerando em tudo? Talvez sim, afinal escrita também é sentimento e o sentir nem sempre tem régua.
Agora fico aqui, curiosa com a sua velhice, que não acontece, mas que existe mesmo sem acontecer. Deve ser bom ser uma personagem, né?! Acho que vou levar você comigo, por muito tempo. E certamente te revisitarei, na tela e nas páginas. Que bom que você foi inventada, Lenù. Arrivederci.

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Amei amiga! Eu tive uma gangorra de sentimentos, identificação e desidentificação, amor e repulsa com ambas do inicio ao fim. No final, o que eu mais odiava em cada uma eram sinais daquilo que mais odeio em mim mesma. Clichezaço ne?! Dou o braço a torcer porem que sou mais Lila (que odiei muito mais o tempo inteiro e que alias odiei durante toda a leitura da Tetralogia e só comecei a aceitar amar mais recentemente na segunda leitura (desta vez no original que ganhei de uma amiga) e, depois na serie). Por fim, outro elemento importante é que estou completa e perdidamente apaixonada pela Irene Maiorino…
Obrigada por mais este texto delicioso…
Vamos começar a planejar uma viagem a napóles juntas?
é muito distante pra mim hoje, mas virou meu único sonho depois que perdi todos os outros.