o sexo e a cidade
Esperava chorume, recebi refresco. O roteiro de "Sex and the City" atravessou o tempo melhor do que eu poderia imaginar.
Já passa das 23:00 e eu estou aqui, numa cena bem cliché, com um pote de sorvete no colo escrevendo pra vocês sobre o velho-novo fenômeno “Sexy and the City”. Bom, quando eu digo “cliché”, estou apenas falando de eu ser uma escritora organizando sua escrita com os cabelos cacheados meio desgrenhados, tarde da noite, alternando as drogas entre sorvete e vinho. Mas não tem vista pro parque, nem tem grandes elaborações sobre como a dinâmica da minha cidade impacta na rotina amorosa e sexual das pessoas.
E ah, esse texto vai ficar aqui mesmo, nessa newsletter. Não vai ser publicado [infelizmente, que merda] nem na Vogue nem no New York Times.
Como eu já sinalizei lá em cima, eu quero falar sobre o roteiro estupendo de “Sex and the City” (ou SATC, como vou me referir pra economizar os dedos). Mas antes de falar desse clássico do entretenimento, preciso dizer que em 2021 eu comecei a me deliciar com “And Just Like That…”, série derivada de SATC. A nova história é uma sequência, que mostra aquelas mulheres de 30 e pouco agora vivendo os dilemas dos 50 e pouco.
E eu gostei muito que AJLT (vamos abreviando, pois sou uma mãe cansada, não se esqueçam) atualizou vários debates que lá atrás não foram tratados da melhor forma. Ou sequer foram tratados. SATC, assim como suas contemporâneas “Friends” e “Will & Grace”, foram séries que retratavam jovens vivendo em Nova York, descobrindo amores, curtindo experiências únicas e divertidas, vencendo. Ou seja, todas são - além de obras de arte de seus tempos - grandes peças da propaganda estadunidense. Sabemos disso, é importante saber. E talvez justamente por isso (afinal, toda propaganda quer promover alguma coisa) os elencos eram todos brancos, com raríssimas exceções nas participações especiais e nas figurações. Uma merda!
E aí é que tá o barato de AJLT, que trouxe debates raciais e atualizou os debates de gênero, falando abertamente sobre identidades de gênero, não-binariedade, etc. Eu até achei que a primeira temporada pesou um pouco a mão, ficando didática e forçada demais em alguns momentos, mas no geral o saldo foi positivo. A terceira temporada tá sendo filmada nesse momento e estreia em 2025!
Mas então, voltando ao ponto principal, o fato de AJLT manter o humor, as personalidades das personagens, as futilidades gostosas do universo em que elas vivem, mas ao mesmo tempo se comunicar com um mundo que tá mais consciente e engajado, fez eu ter um certo receio de rever SATC.
Voltar pra “Sex and the City” era um medo. O que essas peruas de Nova York tem pra falar comigo em pleno 2024? Num mundo onde, felizmente, o debate feminista avançou tanto nos últimos 20 anos, era muito provável me aborrecer com os dilemas fúteis e os dramas superficiais das quatro liberais bacanudas que nunca sossegam em casa e que gastam rios de dinheiro em comidas genéricas e sapatos cafonas.
Mas, que delícia, eu estava enganada. Sim, SATC é uma série sobre um mundo de mulheres ricas, num país rico e vivendo coisas ricas. E tá tudo bem, pois é um entretenimento. A gente não precisa (e eu nem acho recomendado, na verdade) que a arte - pra fazer refletir ou pra distrair - seja uma cópia, uma extensão ou um espelho das nossas próprias vidas. E indo além disso: não é qualquer entretenimento, 26 anos após sua estreia, SATC continua sendo um bom entretenimento!
Frases como “Em uma cidade como essa, com possibilidades infinitas, monogamia é pedir demais?” e “O sexo secreto, com alguém que não assumimos, é a maior forma de intimidade? Já que existe em um estado puro, isento dos julgamentos do mundo? Ou é só outra forma de negar nossos sentimentos e segmentar emocionalmente as nossas vidas?” seguem fazendo sentido até hoje. Em todo episódio, diante das paixões e desilusões das amigas, e diante das próprias conquistas e fracassos amorosos, lá está a bela Carrie Bradshaw, esfregando algumas reflexões na nossa cara.
Aliás, como é gostoso perceber a complexidade da Carrie. Essa é outra proeza do roteiro e também mérito da interpretação da Sarah Jessica Parker. A personagem é amiga, mas é impaciente. É companheira, mas é egoísta. É cosmopolita e rueira, mas nem sempre tá muito disponível. Em “Sexy and the City” Carrie vai sendo costurada com muito carisma, sem esconder suas imperfeições. Já em “And Just Like That…” os defeitos estão lá, ainda mais evidentes. A cara de “saco cheio” é mais comum na Carrie de 50 e tantos anos. Cansaço de viver um ritmo de vida tão frenético? Tá saturada das demandas capitalistas, assim como todas nós? É uma construção muito bem feita de uma mesma mulher num intervalo de 20 anos.
Ao reasssitir “Sex and the City” hoje, com exatamente a mesma idade da Carrie na primeira temporada, eu consigo ter mais entendimento da série. Não é sobre bolsas e sapatos, nem sobre o tal sexo do título, embora tudo isso seja sim importante e nada é colocado como menor na vida das personagens. Bolsas, sapatos, sexo com os namorados ou com recém conhecidos, jantar com as amigas, bater perna numa avenida bonita, tudo isso é muito importante na trama. São os fios que conectam suas identidades e criam uma sensação de pertencimento - ao corpo e à cidade. Mas a série é, no fim das contas, sobre a arte de se relacionar.
Se relacionar com as amigas; se relacionar com a pessoa por quem você tá apaixonada; se relacionar com a pessoa por quem você já foi apaixonada, mas agora está em crise. Se relacionar com a pressão que o mundo joga sobre você: pra ser bem sucedida, pra ter um ótimo casamento, pra parar de reclamar e ser feliz. Relações. Pressões.
São quatro mulheres brancas e ricas, de uma cidade rica, de um país rico. É um mundo muito diferente do mundo da imensa maioria das pessoas que assistem. Aqui no Brasil a série voltou a se tornar um fervo, pois agora está nos catálogos tanto da MAX quanto da Netflix. A geração z descobriu que Carrie já quebrava a quarta parede muito antes de Fleabag. Tenho me divertido vendo os debates gerados lá no Twitter, com questões sobre a arte de se relacionar. SATC atravessou bem os anos, mantendo um bom roteiro (apesar de sim, sendo um fruto do seu tempo e tendo problemas típicos da época em que foi produzida). Mas é incrível rever e perceber, a cada “novo” episódio, que mesmo com todos os seus novayorkismos, o quarteto Miranda, Charlotte, Samantha e Carrie se propõem a falar de sentimentos - e de dilemas - que são, em grande parte, universais.
:))
[te agradeço por ter lido o texto! essa newsletter é totalmente gratuita, mas caso queira apoiar meu trabalho de escrita, você pode clicar aqui. obrigada!]
Amei! Sinto a mesma coisa Lana. Dá um conforto gostoso assistir SATC nos intervalos de escrita da dissertação. Uma alisada boa no cérebro e coração com um toque de reflexões que super reverteram aqui. Você descreveu muito bem!
Gostei da sua crônica .
Tenho quase 80 anos e me identifiquei com a série e com o que você escreveu
Sou carioca