cansada da política, mas com fé na política
Cansada sim, mas sem me esquecer que a política é fundamental para a transformação da nossa realidade e do mundo. A antipolítica leva ao fascismo.
Ia começar esse texto falando que as últimas semanas foram difíceis, mas, na verdade, quais semanas não são difíceis? Eu não sei pra vocês, mas o meu olhar sobre a vida adulta 30+ tem sido um olhar duro, cansado. É claro, tenho uma criança pequena em casa, isso arranca quase todas as energias do corpo e da mente, mas não é sobre isso. A vida está mais dura para a imensa maioria da população, não só pra quem cria crianças.
Custo de vida alto, precarização das relações de trabalho, reformas que tiram os direitos das trabalhadoras e trabalhadores (vocês viram que a imprensa liberal, que representa os interesses da elite econômica do país, já está falando em uma nova reforma da previdência???), crises econômicas decorrentes de guerras e genocídios, mudanças climáticas ocorrendo de forma acelerada, ameaça cada vez mais forte de ascensão de governos de extrema direita mundo afora etc. MEU DEUS. Ser da classe trabalhadora, independente da renda que se tenha, não tá fácil.
Todos esses perigos que nos rondam mostram como nossa condição é frágil. Os 4 anos de governo Bolsonaro (desculpem mencionar essa peste aqui) nos desestabilizaram, inclusive emocionalmente, por escancarar como absolutamente nenhum direito é 100% garantido. Angela Davis já nos avisou que “a liberdade é uma luta constante”, e eu acho que é isso que martela nossa cabeça e nos atormenta quando nos vemos diante de políticos eleitos que estão dispostos a nos levar para o buraco civilizacional.
a liberdade é uma luta constante
E vamos combinar?! Lutar cansa muito! Meu desejo mais íntimo é o mesmo da Luana Piovani: poder postar minha foto de biquini em paz, sem precisar estar atenta a tantas ameaças de retrocesso, sem precisar ficar de olho nas demandas que pipocam no Whatsapp, sem precisar ter qualquer tipo de culpa cristã sobre a minha qualidade de vida diante da miserabilidade do mundo, pois não deveria existir miséria no mundo. Mas, infelizmente, essa paz ainda não é uma realidade. O tempo todo me pego preocupada com a votação X no Congresso Nacional ou com o julgamento Y no Supremo Tribunal Federal. UM INFERNO.
Ser uma pessoa que exerce sua cidadania, atenta à política, não é um problema. Eu amo política. Trabalho com isso, leio e estudo sobre política diariamente. Talvez eu seja meio louca, com certeza sou sim meio louca, mas a política é o lugar onde eu me encontrei. Trabalhar com comunicação política e análise política é algo que realmente me dá tesão. Ok, talvez eu seja completamente louca. Mas o problema, pra mim, na minha rotina, é ter que lidar com a política no Brasil haha. Muitas vezes eu não consigo me aprofundar em nada do que gostaria, pois do nada surge um projeto bizarríssimo que será votado em regime de urgência na câmara dos deputados e aí socorrooooo precisamos mobilizar as pessoas, construir uma marcha, divulgar os panfletos, adesivos e materiais de conscientização, pensar num grito de guerra,…
Enfim, a política no Brasil não é uma dinâmica saudável. Há um tempo, por um bom tempo, surgiu uma expectativa coletiva, de pessoas próximas de mim, de que eu fosse candidata a algum cargo legislativo. Eu mesma considerei essa possibilidade algumas vezes. Um mandato meu, com pessoas da minha confiança, construindo política com enfoque feminista e ecossocialista, com atravessamentos nas questões de direito à cidade e antirracismo, pensando em políticas públicas focadas para as pessoas queer e as mulheres todas, pautando o socialismo sob um ponto de vista atualizado nas pautas de gênero e ambientais. Seria um sonho. Mas eu decidi que não será minha realidade.
E não decidi isso agora. Já tem tempo que as pessoas ao meu redor sabem: nunca (palavra que evito usar, mas que aqui é importante ser usada) serei candidata. Por mais que seja sim tentador, principalmente pra quem já está inserida no mundo da política e isso pareceria, de certa forma, dar apenas mais um passo, não é o que eu quero pra mim. A política brasileira é enlouquecedora e eu admiro demais minhas companheiras e companheiras que escolhem estar nesse lugar, de se tornarem vitrines. Mas não é pra minha pessoa. E eu passei a ter mais admiração também por mim quando eu decidi continuar apenas nos bastidores do trabalho político (ao menos no campo da política institucional, já que como escritora e analista política sou sim uma “figura pública”).
Diante desse cansaço que nos abate, e que muitas vezes parece não ter fim, eu acredito que o autoconhecimento e o respeito por si própria são fundamentais para a manutenção do nosso bem estar. Parece papo de coach, mas realmente penso assim. Entender que minha prioridade é uma vida onde, por mais que o trabalho seja exaustivo, eu tenha tempo de qualidade para estar com minha família, foi muito importante pra mim. Talvez isso signifique mais insegurança financeira, afinal vereadoras e deputadas ganham ótimos e invejáveis salários no Brasil, mas tudo bem. Pra mim, nesse momento da minha vida, nada tem sido mais importante que a segurança de andar na rua com o mínimo de tranquilidade, sem grandes inseguranças em relação à mim, minha filha e meu companheiro. Pois é, política no Brasil envolve também isso, uma análise sobre quais riscos você está disposta ou não a correr.
O que a política exige da gente é honestidade. Com os outros e com nós mesmas. E isso tem um peso muito grande quando olhamos ao redor e vemos figuras como Arthur Lira, Sóstenes Cavalcante, Rodrigo Pacheco, Otoni de Paula, Damares Alves, Tarcísio de Freitas, Hamilton Mourão etc. É enorme a quantidade de lixos que vivem do nosso dinheiro, promovendo medidas que são aniquiladoras da nossa dignidade. Por isso a política é tão importante, pois ela é a melhor ferramenta já criada para que a gente consiga conviver em sociedade, disputando espaços que garantam a nossa sobrevivência e a nossa liberdade. Disputar a política não é uma questão só eleitoral, mas de ideias, de olhar sobre o mundo. Um olhar mais generoso ou mais egoísta? Mais coletivo ou mais individualista? Essas são escolhas que fazemos desde muito jovens, mesmo sem perceber. E como comunicamos essas escolhas é também a nossa forma de disputar o mundo.
Tá foda demais ser uma adulta funcional nessa sociedade e nesse momento histórico. Mas estamos aqui, estamos vivendo, estamos defendendo nossas ideias, estamos querendo cidades e lugares melhores para nós e nossos filhos. Estamos em busca de dignidade. Portanto, estamos disputando. E um dia, tenho fé, iremos vencer.
:))
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Sim, cansadas, mas seguimos com fé.
Buscando contribuir da melhor forma, mas também se resguardando para os outros dias de luta.
Um cheiro querida 🏳️⚧️